O universo sombrio de Edgar Allan Poe está a ser recriado num cenário perfeito para o efeito - a Quinta da Regaleira, em Sintra. O espetáculo ocorre ao ar live às sextas e sábados à meia-noite até 18 de agosto.

Parece ser um espetáculo muito interessante, num local mítico que não podia ser mais adequado ao autor e que promete desvendar muitos mistérios e ter muita interação com o público, que será decisiva para o desenrolar da improvisação.

O evento, denominado Nocturnus, tem o preço de 10€, mas acedendo à bilheteira online já não existem bilhetes disponíveis. Talvez os interessados ainda consigam comprar no local. Vale a pena tentar!


Tertuliano Máximo Afonso é um professor de História solteiro, que vive sozinho, não é muito dado a socializações e tem uma certa mágoa por carregar um nome tão distintivo. Um dia, é-lhe recomendado um filme. Ele, que não é nada dado à magia do cinema, aceita a recomendação, para desafiar o marasmo em que se encontra.

Qual não é o seu espanto quando repara que um dos figurantes da película é a sua cópia chapada... Espantado e temeroso, decide-se a alugar vários filmes da mesma produtora de forma a encontrar novamente aquele rosto que parece o seu reflexo absoluto. Conforme vai reencontrando aquele homem noutros filmes, mais nervoso fica, porque não é apenas a cara - têm a mesma voz, as mesmas cicatrizes e no mesmo sítio, os mesmos sinais - e, mais do que qualquer outra coisa, a situação torna-se assustadora e é premente para Tertuliano encontrá-lo, confrontá-lo, dizer-lhe que no mundo só há espaço para um de si.

Esta é a premissa que desencadeia uma data de eventos que têm tanto de surrealista como de engraçado ou pesaroso, culminando no inesperado. Uma história que se bebe, daquelas que é impossível parar de ler. Tertuliano é uma personagem tão bem delineada, tão humana, que transporta tanto por dentro daquilo que não dizemos, que tão cedo não o irei esquecer.

É um romance fantástico, com um sentido de humor refinado, com aquela narrativa que imita a oralidade bem característica de Saramago e que torna a cadência da acção inimitável. Embora o tema dos "duplos" ou "sósias" não ser inovador e de já ter sido explorado por inúmeros e grandes escritores, garanto aos futuros leitores que nunca leram uma história assim.

O livro foi adaptado para o cinema (com o nome original Enemy) e lamentavelmente ainda não vi, mas verei muito em breve por duas razões - estou imensamente curiosa para ver a adaptação em si, que não deve ter sido nada fácil; e, porque Jake Gyllenhaal.

O Homem Duplicado
De: José Saramago
Ano: 2002
Editora: Porto Editora
Páginas: 336

A nossa pontuação: ★★★★☆
Disponível no site Wook.

Jonathan Harker está na Transilvânia por motivos profissionais, para lidar com a compra de uma casa em Londres por parte do misterioso Conde Drácula. É recebido num portentoso castelo situado numa lindíssima área florestal, e o anfitrião, apesar de ter estranhos hábitos, aparenta cordialidade. Conforme os dias passam, Jonathan vai-se apercebendo de que nunca viu o conde comer, que nunca aparece de dia, que parece esfumar-se de um momento para o outro, e o caldo entorna definitivamente quando não o vê num reflexo de um espelho e depois testemunha a sua descida do castelo pela parte de fora, com uma facilidade tal que parecia uma aranha.

Sem saber se algo se passa ou se a sua mente lhe está a pregar partidas, Jonathan, ao tentar sair, percebe que, mais do que um prestador de um serviço, é um prisioneiro. O pânico apodera-se dele quando o conde o obriga a escrever cartas para o sócio e para a noiva com conteúdo adulterado.

Já em Inglaterra, a sua noiva Mina começa a estranhar primeiro o conteúdo das cartas que recebe, e depois, a falta de notícias por parte de Jonathan. Ainda para mais, pernoita na casa da sua melhor amiga Lisa, e esta, sofredora de sonambulismo, desaparece numa noite. Mina procurou a amiga por todo o lado e ao longe conseguiu vislumbrar um vulto branco, amparado por uma outra figura de negro, que desapareceu com a sua aproximação. A partir dessa noite, Lisa nunca mais foi a mesma pessoa, adoeceu gravemente e as pequenas feridas no seu pescoço não auguravam nada de bom.

Este é o ponto de partida e o facto que faz com que ilustres personagens se juntem para descobrir a verdade e que tudo façam para acabar com uma ameaça que pode afectar o mundo inteiro.

Apesar de ficcional, a narrativa faz-se apenas e só com os registos dos diários das personagens e com alguns apontamentos de notícias de jornais, o que não é, de todo, uma forma fácil de escrever, e que foi concerteza um grande marco no séc. XIX. Fazer com que todos os factos batam certo e que sigam uma linha temporal a partir de relatos escritos em forma de diário é um feito só ao alcance dos génios. A leitura, como tal, não é propriamente fácil. É um livro maçudo e temos de nos habituar a ler imensas vozes, que é como ter vários narradores para uma história só.

Não há como contornar também o facto de aqui, neste livro fantástico, ter nascido o pai de todos os vampiros. Uma personagem como há poucas, que tem sobrevivido através dos séculos e que marcou a cultura popular como poucas. Com uma caracterização baseada em lendas e folcrores, reúne, de forma consensual, as características chave destas criaturas mitológicas que, infelizmente nas últimas décadas, têm vindo a ser deturpadas de tal forma que já em nada se parecem com as crenças seculares.

Um clássico incontornável obrigatório para os fãs de literatura de todos os géneros, que deu origem a inúmeras adaptações em várias vertentes artísticas. No cinema, perde-se a conta aos filmes que directa e indirectamente se basearam nesta história, mas destacam-se os incontornáveis, míticos, Nosferatu (1922) e Dracula (1931).

Drácula
De: Bram Stoker
Ano: 1897
Editora: Publicações Europa-América
Páginas: 424

A nossa pontuação: ★★★★☆
Disponível no site Wook.
A iniciativa chama-se Flybraries e chegou aos voos nacionais. A companhia aérea Easyjet "equipou" os seus aviões com 17.500 cópias de livros infantis, traduzidos para 7 idiomas, incluindo português. Uma verdadeira biblioteca voadora que tanto os miúdos como os pais vão decerto gostar.

Entre os livros disponíveis podemos encontrar Alice no País das Maravilhas, O Livro da Selva, Peter Pan, entre outros. Portanto, coisas que muitos adultos, como eu, não se importariam de ler ou reler também...

Uma iniciativa de louvar, visto todos sabermos a importância da leitura. Para além disso, sendo um espaço fechado e tendo as crianças de ocupar o tempo, pegarem num livro para se entreterem poderá fazer toda a diferença, e poderá nascer um novo hábito naquelas que são mais resistentes à leitura. De acordo com os mais recentes resultados do PIRLS, os alunos portugueses do 4º ano pioraram o seu rendimento na leitura desde 2011 e estão abaixo da média europeia.

Muitos parabéns à Easyjet! Podem conhecer mais dados e a iniciativa aqui.


Linnet Ridgeway é uma jovem que aparentemente tem tudo: é bonita, sofisticada, elegante, inteligente, tem olho para o negócio, é pretendida por inúmeros homens, e as mulheres normalmente rendem-se à sua simpatia, aura genuína e charme. Para além disso, é herdeira de uma das maiores fortunas do país e, prestes a atingir a maioridade, pensa em casar.

Quis o destino que se apaixonasse justamente pelo namorado da melhor amiga, e é assim que faz uma inimiga. Linnet e Simon acabam por casar, para desgosto da sua amiga, Jacqueline, que passa a persegui-los para todo o lado, de forma a conseguir estragar o tempo de qualidade do jovem casal.

A situação vai tomando proporções perigosas e, sem medo de cair no ridículo, Jacqueline consegue saber onde o casal vai passar a lua-de-mel e, sem vergonha, segue-os para o Egipto. Acontece que Hercule Poirot está de férias e segue nesse mesmo barco, tornando-se um pouco o confidente da perturbada jovem, que tenta acalmar o melhor que pode, mas a sua mágoa é enorme e o desejo de vingança maior ainda.

Numa noite em que os humores se exaltaram e em que Jacqueline tinha bebido demais, Linnet aparece morta. É o choque para os passageiros daquele cruzeiro. A resposta para o crime parece óbvia para alguns, mas é claro que nada é fácil nem o que parece à primeira vista.

Agatha Christie tem aqui uma das suas mais célebres histórias, que nos agarram não só pelo fabuloso mistério desenvolvido e pelas voltas e reviravoltas na narrativa, mas também pelas fantásticas personagens a que dá corpo. Todos os que se encontram naquele barco são suspeitos, e todas as personagens são peculiares, particulares, com características únicas tão bem delineadas que conseguimos imaginá-las perfeitamente.

O leitor é sabiamente levado a desconfiar das várias versões contadas, desenvolvendo o espírito crítico, integrando também um pouco o papel de investigador, tão bem endereçado ao nosso bem conhecido Poirot.

O livro foi adaptado ao cinema em 1978, num muito conhecido clássico que conta com os talentos de Bette Davis, Mia Farrow ou Maggie Smith, apenas nomeando alguns; e está a ser desenvolvida nova versão que estreará nos cinemas em 2019, continuando o trabalho de Um Crime no Expresso Oriente, saído o ano passado, pelo mesmo realizador, Kenneth Branagh.

Morte no Nilo
De: Agatha Christie
Ano: 1937
Editora: Edições Asa
Páginas: 270

A nossa pontuação: ★★★★☆
Disponível no site Wook.


É preciso ser-se um ser humano do mais humano que há para escrever um livro assim. A redundância é propositada para enfatizar a pessoa que o Rodrigo Guedes de Carvalho é - ele consegue engrandecer o quotidiano, a crueza das palavras, o negro e o vazio que habitam cá dentro, recorrendo a uma linguagem visceral, sem filtro, que obedece ao ritmo certo, a uma cadência natural, que transporta uma angústia adormecida.

As histórias das várias personagens alternam-se entre capítulos. Elas têm algo em comum mas não sabem. Acompanhamos de perto especialmente duas personagens: Maria Luísa, uma rapariga que é demasiado bonita para o mundo em que vive, que desperta olhares que não deseja onde quer que vá. Já teve tantos problemas por ser assim e não consegue esconder, mesmo com as piores e mais largas roupas, o seu corpo voluptuoso. É recatada, tem poucos amigos (só um, na verdade), o paradeiro do pai é desconhecido e a mãe morreu há muitos anos. Um dia, acorda para ver a falecida mãe na sua sala.

Luís Gustavo é um enfermeiro, também ele recatado e de poucas conversas. É observador, atento e facilmente cria laços com os pacientes do hospital. A namorada deixou-o, a mãe abandonou-o à nascença, o pai era alcoólico e acabou por falecer, e a pessoa mais importante para si, e que o criou, foi o seu avô, falecido há uns anos. Um dia, Luís Gustavo vê o falecido avô na rua.

Estas e as outras personagens, maravilhosamente construídas, vão vivendo as suas vidas paralelamente enquanto nós vamos torcendo para que esbarrem uns nos outros, para que partilhem a sua solidão. Apetece gritar-lhes que não estão sozinhas, que há outros a passar pelo mesmo, para virarem naquela esquina, subirem as escadas à direita, que está ali uma pessoa que o vai compreender e que nunca o vai desiludir...

Mas este desejo de leitor pode não corresponder àquilo que realmente acontece. Têm de ler. Têm de ler porque é um dos livros mais belos que já li, porque é corajoso e explora temas complicados como a violação, a depressão, a violência ou a homosexualidade. Ou como nos vendemos por tão pouco, ou como a inveja surge de maneiras que nem se podem dizer em voz alta, ou como nos chegamos a desprezar antes de todos os outros o fazerem. E no entanto, apesar disto tudo, a aura do livro é positiva e mágica. Uma aptidão rara por parte do autor. Uma leitura não só recomendada, mas que se impõe.

O Pianista de Hotel
De: Rodrigo Guedes de Carvalho
Ano: 2017
Editora: Dom Quixote
Páginas: 480

A nossa pontuação: ★★★★★
Disponível no site Wook.