Relógio Sem Ponteiros - Carson McCullers

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As vidas de quatro homens são-nos narradas, neste livro ambientado nos anos 50 nos Estados Unidos, mais precisamente numa pequena terreola chamada Milan.

O livro começa com J. T. Malone, o farmacêutico da terra, homem simples de família, mas com algum ressentimento para com a mulher que se desenrasca melhor nos negócios do que ele. Sendo um homem da saúde, quando lhe é diagnosticada leucemia não quer acreditar. Pelo seu entendimento não passam de febres e outros males menores. Quando a realidade o atinge, a sua perspectiva da vida vai mudando, principalmente o modo como olha para o tempo.

O juíz Clane é um homem de idade avançada, que se julga a última bolacha do pacote em Milan - o promotor dos valores tradicionais que resiste ao avançar do tempo e das ideias. Fanfarrão, tendo-se em alta consideração, tem a tendência para só ouvir o que quer e ignorar o progresso. É-lhe impensável que, por exemplo, negros e brancos se misturem nas escolas e que criem qualquer outro laço que não seja o de patrão-criados.

Jester é o neto do juíz, criado por este depois do suicídio do pai. Apesar do juíz ser a sua única influência masculina, Jester, agora adolescente, pensa de forma completamente distinta. Não é só por dar por si a pensar nos homens de maneira diferente, de um modo proibido de acordo com tudo o que lhe foi ensinado; mas acredita na igualdade, que a maldade e a inteligência não surgem pré-definidas com a cor da pele. Isto provoca atritos com o avô, embora este finja não compreender ou minimize os seus devaneios liberais.

Sherman é um órfão negro detentor de uns olhos azuis fora do normal. Contratado para ser secretário do juíz, o que começa por ser uma relação de admiração mútua vai-se degradando até se tornar em incompressão e atrito, à medida que Sherman percebe que o idoso nunca o encarará como um igual, apesar dos seus modos e inteligência que considera dignos e fora de série tendo em conta a sua origem e cor da pele. Jester, da mesma idade, cria também uma relação tempestuosa com Sherman, que começa por ser de encantamento e atracção mas que passa por muita frustração. Sherman quer ser mais do que é, preserva as aparências, dá-se ares, criando uma distância entre ele e Jester que até faz o leitor implorar pelo baixar da guarda para poderem, pelo menos, ser amigos.

As vidas destes quatro homens vão-se cruzando no dia-a-dia de Milan e vamos dando conta delas. Numa época em que as diferenças raciais ou o papel da mulher são o assunto do momento, e em que a homosexualidade é simplesmente reprimida, estas histórias, que são simples na sua composição, são um veículo destas e de outras temáticas-chave. Através do entrecruzar dos relatos de quatro homens, é-nos apresentada toda uma sociedade, que é parcial, racista, resistente ao progresso, masculina, de visões curtas. Felizmente também vemos a esperança, aqui e ali, vislumbres da mudança que viria a marcar a evolução.

Tristemente, muita coisa que é dita neste relato dos anos 50 continua a ser ouvida hoje, o que mostra não só a actualidade do livro, como também a inércia das almas que habitam este planeta povoado de Velhos do Restelo. Parece que o tempo não avança como convém, que os relógios deles não têm ponteiros, que o tempo parou num segundo maligno.

A escrita é simples, directa, com diálogos assertivos mas com pontas de surrealidade marcados pelas personalidades vincadas das personagens, muito bem construídas. Fiquei curiosa para ler mais livros da autora.

Relógio Sem Ponteiros 
De: Carson McCullers
Ano: 1961
Editora: Publicações Europa-América
Páginas: 328

A nossa pontuação:  ★★★★☆
Disponível no site Wook.

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