A ação do livro decorre toda no espaço de um dia. Assistimos a vários eventos que se vão passando ao longo desse dia, aparentemente sem relação alguma entre si.

Num quarto de hotel, um homem de família trai a esposa com uma mulher mais jovem, sem saber como é que aquela rapariga encantadora se interessou tanto pela sua vida e se sentiu tentada com o seu físico que já não é o de outrora. Ao mesmo tempo, vemos que um criminoso anda a preparar alguma, com esquemas para desviar a atenção da polícia, que o tem debaixo de olho, e realizando contactos com os membros da sua equipa. Um bem sucedido homem de negócios anda pelo beicinho por uma mulher casada e tem uma reunião misteriosa.

Cada capítulo vai saltando entre estas e outras histórias, que se vão desenvolvendo e aprofundando, suscitando a nossa curiosidade. Como é de imaginar, o ritmo é elevado, já que o livro é curto e o leitor vê-se deserto para saber o que é que uma coisa tem a ver com a outra. Na minha opinião, as ligações surgem tarde demais. Anda-se um pouco perdido, e com tanta coisa a acontecer, vemo-nos obrigados a ler o mais possível de seguida ou somos obrigados a passar os olhos na diagonal para relembrar o que ficou para trás, não vá algum pormenor destas ligações ter sido esquecido.

Ken Follett é mestre nisto de nos manter atentos até ao fim e as suas narrativas têm sido sempre interessantes para mim, mas temo que este seja o livro do autor de que menos gostei. Tantos saltos na narrativa fizeram com que as personagens, que são imensas, não fossem exploradas por aí além, e pelo menos eu não consegui criar conexão com elas, que normalmente é condição essencial para criar uma ligação emocional.

Não deixa de ser um bom livro, com muito mistério, e que nos expõe o mundo financeiro, a corrupção, os esquemas que se realizam por trás do pano, a importância dos contactos certos nos negócios; mas também que mesmo quando pensamos que um plano pode ser perfeito, e que vai tudo correr bem, tudo pode dar para o torto...

O Preço do Dinheiro
De: Ken Follett
Ano: 1977
Editora: 11 x 17
Páginas: 320

A nossa pontuação: ★★★☆☆
Disponível no site Wook.

No séc. XVI, o rei D. João III presenteou o seu primo, o arquiduque Maximiliano da Áustria, com nada mais nada menos do que um elefante. O pobre coitado vivia acomodado em Belém há dois anos e o rei achou que seria uma oferta de casamento singular. Ora isto aconteceu mesmo, e embora não existam muitos relatos devido à época distante, há alguns, e o resto aprimorou José Saramago com a sua imaginação.

Ora, o elefante Salomão, o seu conarca (tratador) Subhro, vários elementos da segurança do reino, ajudantes e carros de bois que transportavam água e alimento para o elefante compunham a comitiva. Está visto que naquela altura os meios de transportes eram parcos e não houve outro remédio senão irem a pé, de Lisboa a Viena, com paragem em Espanha onde se encontrava de momento o arquiduque, que se apoderou das operações a partir daí.

O livro trata disto mesmo - da viagem do elefante do ponto A, o nosso país, ao ponto B, Viena, mas é claro que nada é linear em Saramago. Deparamo-nos a todo o momento com as mais deliciosas e cómicas situações, vivemos momentos de camaradagem, aprendizagem, comovemo-nos, ao mesmo tempo em que são realizadas enormes críticas, como à religião ou às diferenças entre estratos sociais.

Salomão e Subhro são daquelas personagens inesquecíveis, que ficam guardadas cá dentro, para sempre. Um, porque é um paquiderme que veio da Índia para percorrer as estradas da Europa, enfrentando as intempéries e a estupidez dos humanos; o outro porque é a pessoa que mais compreende o primeiro, e que vai também compreendendo cada vez mais o modo de vida ocidental e como dar a volta aos elementos da comitiva real, gerando também situações muito engraçadas.

É um livro que até tem uma aura mais light que a maioria dos romances de Saramago, mas nem por isso deixa de ter uma moral bem triste, que, tal como assumiu o autor em entrevista, é uma metáfora da vida humana.

Foi a primeira vez que um livro de Saramago foi adaptado para Banda Desenhada em Portugal, por João Amaral, de onde faz parte a imagem em cima.

A Viagem do Elefante
De: José Saramago
Ano: 2008
Editora: Porto Editora
Páginas: 216

A nossa pontuação: ★★★★☆
Disponível no site Wook.

Roubaud e Séverine são um casal normal, apesar da diferença de idades - ele é mais velho, e não sabe como é que a jovem de 25 anos que, apesar de não ser uma beldade, tem algo de magnético nos seus olhos azuis, se enamorou por ele. Até ao dia em que Roubaud descobre algo perverso sobre o passado da mulher e é tomado por um ciúme doentio. Sem se conseguir controlar, Roubaud mata um homem do passado de Séverine e obriga-a a participar.

O crime, perpetuado num comboio, foi testemunhado pelo jovem Jacques, por acaso colega de Roubaud na companhia dos caminhos de ferro. Com a velocidade a que seguia a locomotiva, Jacques não foi capaz de descortinar caras mas viu pormenores capazes de enterrar o colega. Roubaud quase que mete o jovem debaixo da sua asa e faz com que a simpatia de Jacques pela sua "inocente" e "terna" mulher cresça para que este se cale.

Jacques tem não só de se preocupar com uma investigação que o tem como principal testemunha, como também por um sentimento crescente por Séverine, que é mútuo e que os vai levar numa outra novela; e ainda com algo que cresce dentro dele há muito tempo e que nunca se atreveu a contar a ninguém - uma vontade incontrolável de matar mulheres, de lhes enfiar a lâmica nos seus pescoços macios e ver a vida escorrer-lhes devagar.

Muitas mais personagens entram em cena nesta trama complexa, cheia de pormenores, descrições exaustivas e que, como ainda por cima é um clássico com uma linguagem coloquial própria da época, torna a leitura num processo nada fácil.

Não deixa de ser uma leitura recomendada que, tal como o título indica, nos apresenta a besta humana, não uma só, mas um conjunto delas, uma vez que ela habita em cada um de nós. Pode estar escondida, mas ela vive, esperando a sua oportunidade. Pode nunca chegar, mas mais dia menos dia manifesta-se em alguém. E é bonito ver uma quantidade de bestas a acordar ao mesmo tempo.

O livro foi adaptado para o cinema algumas vezes, sendo a mais célebre das adaptações a realizada por Jean Renoir em 1938. Resta-me fazer um reparo às edições portuguesas, que traduziram o nome do autor de Émile para Emílio... A sério?

A Besta Humana
De: Émile Zola
Ano: 1890
Editora: Publicações Europa-América
Páginas: 328

A nossa pontuação: ★★★☆☆
Disponível no site Wook.
Estamos com a Manta de Histórias. Isto não há coisa de ter demasiados livros. Isso não existe. O problema é que não há estantes suficientes. Ou salas, ou casas...



A acção tem lugar no Cairo. A trama gira em volta de um assassínino de uma bonita e jovem prostituta numa casa de passe. O chefe da polícia, Nour El Dine, tem três suspeitos em mente, frequentadores assíduos da casa.

São eles Gohar, um ex-professor que agora é mendigo por opção. Respeitado por todos devido aos seus sábios conselhos,e inteligência e sagacidade, é basicamente um filósofo de rua que apenas sofre quando não tem haxixe. Ieguene é quem lhe arranja a droga, e é tão feio que quase todos lhe têm medo. Gohar é a sua pessoa preferida à face da Terra, tem-lhe uma admiração que só vista. Vive numa pobreza extrema, não tendo onde cair morto. El Kordi é um funcionário baixo do Estado, constantemente atacado pela preguiça e que vive cortejando bonitas mulheres, prometendo-lhes mundos e fundos que não pode oferecer.

A narrativa gira em volta destes três homens, apresentando-nos muitas mais personagens bastante interessantes, como o mendigo homem-tronco, que é só um tronco com braços mas que, pelos vistos, atrai mulheres como um íman. Que mulher não ficaria encantada por ter o melhor dos mendigos ao lado, com trocos diários garantidos? Para além disso a sua performance sexual parece acima da média...

O autor, Albert Cossery, viveu ele próprio como um "mendigo altivo" e decerto muito se inspirou na sua realidade. Apesar de ter nascido no Egipto, viveu mais de 60 anos num quarto de hotel em Paris praticamente sem objectos, onde morreu. Publicou os livros suficientes apenas para sobreviver - um livro de 8 em 8 anos, uma linha por semana, como reza a história da sua biografia.

É de facto uma forma curiosa de se viver, dedicada à indolência e ao prazer da preguiça, que apregoava. E vemos muito disto em "Mendigos e Altivos". Gostei bastante da obra, talvez a linguagem culturalmente muito própria não permitiu que me embrenhasse totalmente mas é um livro cheio de humor negro e situações incrivelmente cómicas que vale a pena dar uma espreitadela.

Mendigos e Altivos
De: Albert Cossery
Ano: 1955
Editora: Antígona
Páginas: 264

A nossa pontuação: ★★★☆☆
Disponível no site Wook.